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Pós-guerra e transformações: a consolidação da nova arquitetura

 

Nos primeiros anos após a guerra, a Alemanha encontrava-se economicamente arruinada e, por isso, a reconstrução em larga-escala do país foi inviabilizada até 1924, quando a economia se reestruturou e a inflação foi controlada. Consequentemente, nesse período de estagnção na construção, os arquitetos começaram a se expressar através de inúmeros livros, artigos e periódicos, cuja ideia principal baseava-se na necessidade de uma arquitetura completamente nova, adequada à nova sociedade criada pela guerra e pela revolução política (a instauração da república). Desde 1918, colocou-se a ideia de uma nova arquitetura, que, apoiada pelo novo e revolucionário governo, agiria como uma força educadora na formação de uma nova sociedade, em que a proposta de um novo estilo não era uma questão meramente formal, mas de abrangência social e cultural. Na Europa de um modo geral apareceram diversos grupos artísticos e manifestos revolucionários, como o dadaísmo na França e na Suíça e o construtivismo na Rússia. Porém, o espírito de revolta na Alemanha, herdado da fase de ativismo político do Expressionismo característica dos últimos anos da guerra, estimulou a politização de diversos grupos artísticos e periódicos de arte e arquitetura, voltados para questões sociais e culturais. Embora os arquitetos radicais formassem apenas um dentre vários outros grupos politicamente engajados, as questões práticas relacionadas à reconstrução e ao enorme déficit habitacional contribuíram para que eles tivessem um impacto muito maior na opinião pública, tornando-a consciente da importância social da arquitetura.

 

Os escritos de Bruno Taut e Walter Gropius foram os mais influentes dos primeiros anos de pós-guerra e acabaram por definir uma teoria da arquitetura que envolveu o Neues Bauen na política. Ambos possuíam um destaque na arquitetura alemã desde antes da guerra, devido principalmente às suas obras radicais para a exposição do Deutscher Werkbund de 1914 em Colônia. Além disso, Taut destacou-se pelo seu trabalho com habitação e urbanismo, que, após a guerra, estendeu-se para uma escala maior, como diretor da construção muncipal de Magdeburgo (1921 - 1923) e, depois, arquiteto responsável da GEHAG, a mais influente sociedade de construção de habitação de Berlim dos anos 20. Gropius, por sua vez, destacou-se em um primeiro momento pelo seu trabalho com projetos industriais, desde a sua colaboração no escritório de Peter Behrens (1908), no qual também trabalharam Mies van der Rohe e Le Corbusier, até o projeto para a fábrica Fagus (1911 - 1914). No pós-guerra, o arquiteto ganha destaque internacional no modernismo sobretudo pelo seu papel na criação da Bauhaus em Weimar (1919), pelo desenho do complexo de edifícios em Dessau (1925 - 1926) e pelos edifícios no conjunto habitacional Siemenssadt (1929 - 1934).

Em seus escritos, os dois arquitetos passaram a entender a guerra não só como uma derrota militar, mas como um esgotamento de um conjunto de valores da cultura alemã. Mesmo em suas radicais obras do pré-guerra, que também lhe conferiram destaque em relação a outros arquitetos, ainda se podia encontrar alguns traços de ligação com a tradição, enquanto no pós-guerra, Taut e Gropius passaram a entender as antigas formas como ruínas e a propôr uma ruptura completa com qualquer referência ao passado. Para eles, a guerra e a revolução não eram só uma questão política, mas fatores que passaram a dizer respeito a todos os aspectos da existência. Uma nova era deveria, então, ser acompanhada por uma nova arquitetura, que se tornaria a forma de expressão mais elevada do homem. Dessa maneira, eles se colocaram não só como líderes de uma revolução na arquitetura, mas de uma revolução cultural mais ampla. Em seus escritos, os dois arquitetos valeram-se de metáforas para explicar o papel da arquitetura na nova sociedade. Taut utilizou sobretudo de referências à luz e ao cristal, carregadas de simbologias e apresentadas em seus projetos fantasiosos e utópicos, que simbolizavam a esperança em uma nova Europa. A arquitetura, baseada no seu conceito de Sozialer Gedanke (pensamento social), teria um dupla função: expressar as novas relações sociais através do planejamento urbano e do projeto de edifícios públicos e relacionar as outras formas de arte com as necessidades "espirituais" da sociedade .

 

Gropius, por sua vez, valeu-se inicialmente da imagem da catedral medieval, símbolo de uma era na época, e das corporações de ofício que a construíam, em que o espírito criativo significava uma "unidade espiritual". De forma semelhante, propôs novas guildas, em que o trabalho cooperativo deveria ser realizado sem barreiras entre arquitetos, pintores, escultores, em um retorno ao trabalho manual (Handwerk). No entanto, não se tratava do mesmo caso que, nos primeiros anos da fundação do Deutscher Werkbund, gerou uma disputa interna (individualização x padronização), em que membros liderados por van de Velde tentaram, sem sucesso, repudiar a produção industrial, aos moldes românticos de John Ruskin e William Morris. Diferentemente, Gropius imaginou um retorno ao trabalho do artesão como uma forma de repensar os fundamentos do trabalho de arquitetos, pintores e escultores a fim de buscar um tipo integrado de expressão artística. Os seus escritos eram muito menos complexos e elaborados do que os de Bruno Taut, mas exerceram uma influência maior e mais direta na consolidação do Neues Bauen, principalmente porque ele sempre preferiu trabalhar em cooperação com outros arquitetos, professores e alunos, sempre liderando discussões em torno da nova arquitetura. A partir de 1922, os escritos de Taut e Gropius começaram a perder os simbolismos e o tom poético e visionário e passaram a discutir mais profundamente as relações entre a máquina e a nova arquitetura, mantendo a busca por um novo princípio de estrutura e ordem na sociedade alemã e pela reintegração de todas as esferas da vida em uma nova unidade, criando um "novo totalismo", como dizia Gropius.

Bruno Taut. Projeto para Jena em 1919, com o conceito de Stadtkrone (coroa da cidade), em que um monumento de cristal figura ao meio da cidade (Kristalturm - torre de cristal). 1917.

Bruno Taut. Glasspavillion (pavilhão de de vidro) para a exposição do Deutscher Werkbund de 1914 em Colônia. Maquete iluminada de Arno Ebner. Darmstadt, 2005

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